Estudo culmina com relatório contendo descrições detalhadas de 284 técnicas de pesquisas sem animais, atualmente usadas para estudar doenças respiratórias. A pesquisa foi divulgada por um grupo de pesquisadores da Royal College of Surgeons, de Dublin, Irlanda, do Departamento de Pneumologia, da Leiden University Medical Center, Leiden, Holanda, e da Comissão Europeia, em uma publicação na revista britânica “The European Respiratory Jornal”. O objetivo do grupo ao anunciar o relatório é chamar atenção da comunidade científica para esse trabalho e pedir mais foco em pesquisas sem animais.
O estudo a que se refere o grupo foi conduzido pela EURL ECVAM, Laboratório de Referência em Alternativas aos Estudos em Animais da União Europeia. Ele foi intitulado “Revisão de modelos não animais em pesquisa biomédica – Doenças do trato respiratório”. Elaborada com a parceria de especialistas externos na área, a pesquisa foi baseada em uma ampla revisão da literatura científica. Tal revisão incluiu cerca de 21 mil trabalhos científicos, sendo 9421 deles sobre câncer. O relatório resultante apresenta técnicas de pesquisa sem animais que são atuais e já bem estabelecidas.
De acordo com o grupo, a revisão mostra que, nos últimos cinco anos, o foco da pesquisa tem mudado para abordagens de bioengenharia cada vez mais sofisticadas. Tais abordagens recapitulam o desenvolvimento, anatomia e fisiologia do pulmão humano in vitro. “Essas novas abordagens são promissoras como modelos para a modelagem de doenças relevantes para o homem e podem ser usadas não apenas para elucidar o mecanismo da doença, mas também para auxiliar no desenvolvimento de novas terapias e respostas a elas”, informa o grupo.
3R – reduzir, refinar e substituir (replace)
Os pesquisadores acrescentam que o trabalho reforça o já bem conhecido conceito dos 3R – reduzir, refinar e substituir (que, em inglês, é replace) animais em pesquisa. “A abordagem 3R não é apenas adotada pela Comissão Europeia, mas também pela comunidade que atua em pesquisa respiratória, conforme evidenciado por muitas publicações da European Respiratory Society [ERS], bem como por frequentes sessões do Congresso da ERS e seminários de pesquisa sobre o tema”.
Segundo os pesquisadores, essa base de conhecimento servirá “para preparar o caminho para fazer ciência melhor”. Para eles, “seu objetivo abrangente é unir métodos e disciplinas a fim de melhorar a ciência biomédica para o benefício dos pacientes e da sociedade”.
Para o grupo, as doenças respiratórias, tais como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose cística, fibrose pulmonar e câncer de pulmão, representam um fardo significativo para a saúde da sociedade. No entanto, a maioria dos estudos pré-clínicos sobre novos tratamentos, que são realizados com animais de laboratório, não consegue identificar tratamentos que sejam eficazes nos humanos. Segundo o grupo, mais de 90% dos novos medicamentos testados em animais não chegam ao mercado. Isso ocorre devido à falta de eficácia nos humanos ou pela toxicidade inexplicada que não se manifesta nos animais, mas sim nos humanos.
Testes em animais não recapitulam complexidade humana
O grupo explica que essa falha ocorre, em parte, porque o uso de modelos pré-clínicos (em animais) não recapitulam totalmente a complexidade da doença humana, uma vez que há diferenças entre as espécies (humanos e não humanos). Já as técnicas sem uso de animais, como, por exemplo, pulmão em chip e organoides oferecem a oportunidade de simular a doença de uma maneira mais robusta e específica para a complexidade humana. Assim, essas novas plataformas investigativas fornecem importantes informações sobre doenças respiratórias e identificam alvos para novos tratamentos. “Essas abordagens são amplamente bem-vindas e, no devido tempo, provavelmente excederão em número e superarão os estudos em animais”.
É, portanto, evidente que, hoje em dia, a biologia – e áreas afins – não é restrita apenas a quem está disposto a utilizar animais em pesquisas. De fato, os avanços mencionados nesta matéria, e já comentados aqui no Veganismo e Ciência, apontam direções para estudantes e pesquisadores interessados em explorar as técnicas de pesquisa sem animais. No Brasil, já existem laboratórios que empregam essas técnicas. Como o interesse nessa área é crescente, o futuro é, com certeza, promissor para quem decidir trilhar esse caminho.
O artigo completo está disponível em https://erj.ersjournals.com/content/57/1/2004267
Referências bibliográficas:
- Gribaldo L et al. Increased focus on non-animal models for COVID-19 and non-COVID lung research. Eur Respir J 2021;57(1):2004267.
- Hynes J et al. Advanced Non-animal Models in Biomedical Research: Respiratory Tract Diseases. EUR 30334 EN. Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2020.
- https://data.jrc.ec.europa.eu/dataset/176d71e6-5082-4b29-8472-b719f6bda323 European Commission. Joint Research Centre Data Catalogue. EURL ECVAM Review of Non-animal Models in Biomedical Research: Respiratory Tract Diseases.