Sofrimento animal
Ciências sociais

Sofrimento animal na pecuária: conscientização do consumidor é necessária, diz pesquisa

A realidade do sofrimento animal na pecuária é desconhecida pelos consumidores. Estes têm pouca consciência do que acontece com os animais nessa indústria. É o que concluiu uma revisão de artigos científicos publicada na International Journal of Environmental Research and Public Health.

Na revisão, os autores investigaram “a consciência dos consumidores sobre a dor que os animais experimentam na pecuária”. Analisaram também o quanto isso pode levar à redução do consumo de carne.

Na maioria dos casos, o que convence as pessoas a se tornarem veganas é a consciência quanto ao sofrimento animal – a compaixão –, além, é claro, de empatia e respeito

No geral, boa parte das pessoas já sabe que a alimentação vegana bem planejada é a melhor opção para a saúde. A gente percebe quando conversa com as pessoas ou navega nas redes sociais.

Quando me tornei vegana, em 2016, ainda não era assim. Muita mais gente do que hoje ainda achava que essa alimentação podia prejudicar a saúde. Ledo engano, pois a minha saúde – bem como a dos veganos ao meu redor – só melhorou.

Ganha-se saúde, bem-estar, vitalidade, energia e mais felicidade. Você olha para os animais e se sente manso, inofensivo. Não é mais o predador. É uma paz de espírito, uma sensação indescritível. É como se você estivesse sendo recompensado por deixar de contribuir com essa cadeia industrial de sofrimento animal.

Hoje em dia, graças à mídia, às redes sociais e ao crescente aumento do número de veganos, as pessoas já admitem que o problema não é a dúvida quanto à segurança do veganismo, e sim a dificuldade de desapegar dos produtos de origem animal.

De fato, o que convenceu a maioria dos veganos a adotar esse estilo de vida não foram os benefícios à saúde. O que motivou a maioria foi, na verdade, a compaixão, a empatia, ou seja, a preocupação com o sofrimento animal.

O entendimento do que realmente conscientiza motivou os autores

Realmente, a conscientização quanto ao imenso sofrimento dos animais na pecuária comove muita gente. Entretanto, essa informação não chega a todas as pessoas. Se chegasse, muito provavelmente o número de veganos cresceria mais rápido.

Essa foi a motivação dos autores do estudo.

Eles presumiram que o conhecimento sobre o sofrimento animal, isto é, “o fato de a pecuária moderna infligir muita dor aos animais desde o nascimento até o abate”, pode levar os consumidores a reduzir o consumo de carne. Essa foi a hipótese do estudo.

Afinal, como eles afirmaram, a saúde humana e a do planeta depende da capacidade dos ocidentais de reduzir o consumo de carne. “A produção de carne degrada o meio ambiente, enquanto o consumo excessivo de carne está associado ao câncer e doenças cardiovasculares, entre outros”, explicaram.

Diante dessa situação preocupante, os autores afirmaram que é necessário levar aos consumidores mais razões e motivações que os convençam a mudar de dieta.

O sofrimento dos animais, seres sencientes, na pecuária – uma pequena noção do horror

Como afirmam os autores, na realidade, a maioria dos animais é criada em sistemas superlotados e confinados, incapazes de respirar ar puro e caminhar, o que lhes causa alta incidência de várias doenças.

Segundo os autores, há casos em que os animais são regularmente amarrados em gaiolas – como as gaiolas de gestação.

Eles são ainda comumente submetidos a vários tipos de mutilações. Isso inclui castração, corte de caudas, descorna e debicagem, tudo sem anestesia e sem controle da dor. A depilação e desnudamento de perus, que tem as penas arrancadas a sangue frio, também é muito dolorosa.

Também, muito cedo, são separados de seus descendentes, o que lhes causa extrema angústia.

Além de tudo isso, o transporte proporciona severo estresse severo e pode provocar inúmeros ferimentos, e até a morte.

“Antes do abate, os animais podem sentir sede e fome prolongadas, dor, medo e desconforto respiratório”, acrescentam os autores.

Eles também denunciam o manuseio rude dos animais por pessoal não treinado, com equipamentos mal projetados e bastões elétricos.

Para os autores, “essas práticas contenciosas resumidas refutam as suposições de que os animais experimentam uma ‘boa vida’ ou estão sujeitos a ‘bom tratamento’”. O bem-estar animal na pecuária é uma falácia.

O vínculo entre predador e presa pode ocorrer

Os autores explicaram ainda que, segundo evidências científicas, homens com menor nível de escolaridade, idosos, indivíduos menos éticos e pessoas de regiões rurais tendem a desvalorizar a senciência (capacidade de sentir) animal.

Por outro lado, “consumidores de áreas rurais que criam e/ou abatem animais em pequenas instalações reconhecem sua senciência (por exemplo, reconhecendo porcos como cognitivamente superiores a cães ou que os animais choram antes do abate)”.

Em alguns casos, revelam os autores, laços emocionais acaba se desenvolvendo entre esses indivíduos e outras espécies. E estes podem, nessa relação, “adquirir status de animal de estimação temporário ou, em raras situações, permanente”.

Os contrassensos que resultam no sofrimento animal

Os autores discutem também os contrassensos dessa questão. Por exemplo, a maior parte das pessoas come carne, mas desaprova o sofrimento animal. Infelizmente, o consumo de carne e o sofrimento animal coexistem.

A carne cultivada – que promete libertar os animais ao depender exclusivamente de células que, uma vez tiradas deles, majoritariamente de forma indolor, tornam-se independentes para se multiplicar indefinidamente – pode desfazer essa união. Mas, por enquanto, não chegamos a esse estágio.

Então aí entra, como dizem os autores, o paradoxo da carne. Este fenômeno, já discutido em outras matérias aqui do site, está relacionado a certas estratégias por meio das quais as pessoas conseguem driblar a dissonância cognitiva – “como dissociar a carne de sua origem, ou a negação da cognição animal e de sua capacidade de sentir dor”.

Estas estratégias também geram a indiferença, também identificada pelos autores na pesquisa, bem como “evitar pensar nos processos de produção perturbadores envolvidos”.

Os autores também consideraram parte deste contexto, o papel dos discursos culturais e educacionais ocidentais na “reprodução da invisibilidade do sofrimento animal”, que legitimam as “visões instrumentalizadas e utilitárias dos animais de criação industrial”.

“Além disso, as políticas neoliberais continuam a valorizar o desenvolvimento econômico, enquadrando os animais como bens e recursos alimentares, em detrimento dos indivíduos sencientes”, afirmam.

Algumas estratégias são mais eficientes na hora de sensibilizar quem come carne

O insight que liga a carne ao sofrimento animal

A partir da revisão, os autores identificaram estratégias que sensibilizam as pessoas com maior eficiência, provocando essa consciência de que a carne é o animal. Todo vegano entende isso.

Quando você, vegano, passa, por exemplo, pelo setor de açougue de um supermercado, o que você vê? Sangue, animais. E aquilo causa tristeza, entre tanto outros sentimentos. Isso porque o vegano já viveu esse estalo. Escapou da matriz. Enxerga o mundo de outra maneira.

Esse insight acontece o tempo todo, cada vez que alguém vira vegano ou inicia a transição. E assim para de comer animais. Afinal, o mundo é pleno de alimentos vegetais, com os quais somos muito mais saudáveis.

Para os autores da revisão, a “empatia que aumenta a repulsa e, portanto, aumenta a vontade de comer menos carne e escolher opções vegetarianas, parecem vir de experimentos em que os participantes são apresentados a animais vivos, ou animais vivos emparelhados com carne”.

E ainda nessa abordagem, “suas características individuais são enfatizadas (por exemplo, fofura, bebê)”.

“Além disso, antropomorfizar [atribuir características humanas] parece prever uma maior preocupação empática com os animais e induzir mudanças na dieta dos consumidores que optam por reduzir o consumo de carne e uma maior disposição para escolher opções vegetarianas”, acrescentam.

Os apelos para as vantagens do vegetarianismo

Eles citam também experimentos bem-sucedidos, desenhados para induzir a redução do consumo de carne, em que os pesquisadores usaram panfletos de defesa material. O material apelava para o sofrimento animal ao mesmo tempo em que fornecia informações sobre os benefícios para a saúde de dietas à base de plantas.

Segundo os autores da revisão, o uso de argumentos persuasivos especificamente sobre saúde foram mais eficientes do que outros (ambientais e animais) essencialmente na redução de carne vermelha.

Curiosamente, de acordo com os autores, “a cobertura da mídia de massa sobre o sofrimento animal parece induzir reações mais favoráveis ​​entre os consumidores, enquanto as campanhas de ativismo animal levam mais participantes a ignorar seu conteúdo e considerá-lo não confiável”.

Esse achado confirma a preocupação de muitos veganos quanto ao ativismo mais feroz, que pode promover mais antipatia pela causa do que sensibilização. Leia mais sobre isso em Defesa dos animais – acusação aumenta defensiva.

Eles informam também que, segundo evidências, consumidores mais preocupados e com valores éticos mais elevados tendem a nivelar os humanos com outros animais e são capazes de exibir atitudes mais inclusivas.

Por fim, com base nos achados da revisão, os autores recomendam o que seriam abordagens mais eficazes e acertadas:

  • combinar saúde e apelos ambientais, ao informar os consumidores sobre os impactos negativos da carne;
  • utilizar apelos emocionais relacionadas ao sofrimento animal (ex., mostrar imagens de carne não processada, animais vivos ou animais fofos em contextos de restaurantes);
  • propiciar material de apoio para a mudança de hábitos (ex., materiais educativos sobre estilos de vida saudáveis e oferta de cursos de culinária vegetariana);
  • aumentar a visibilidade da comida vegetariana (ex., rotular uma refeição vegetariana como “prato do dia”).

Referências:

Fonseca RP, Sanchez-Sabate R. Consumers’ Attitudes towards Animal Suffering: A Systematic Review on Awareness, Willingness and Dietary Change. Int J Environ Res Public Health 2022;19(23):16372. Disponível em https://doi.org/10.3390/ijerph192316372


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