Técnicas que substituem animais
Ciências biológicas Substituição de animais em pesquisa

Cientista defende técnicas que substituem animais

As técnicas que substituem animais em pesquisa são consideradas simplificadas demais para prever o que de fato acontece em um organismo vivo complexo como o do ser humano. Mas o que a maioria, incluindo os cientistas, não sabe é que isso se aplica aos métodos comumente utilizados nos laboratórios, isto é, àqueles cujo uso é comum, bem conhecido e difundido. Um artigo recentemente publicado na revista científica britânica Nature Reviews Materials apresenta a visão de Donald Ingber sobre o assunto. Ingber é o Diretor Fundador do Instituto Wyss de Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard. No artigo, o biólogo americano fala das técnicas que substituem animais em pesquisa e da importância de utilizar métodos que de fato sejam relevantes para humanos na pesquisa biomédica.

Técnicas que substituem animais
Cão da raça Beagle, um dos animais utilizados em pesquisas.
Créditos: Jacqueline Macou / PIXABAY.

Ingber explica que já existem técnicas muito mais complexas que são tão boas ou até melhores do que as que empregam animais. Ele se refere àquelas que variam de organóides a sistemas multifisiológicos e órgãos em chips. Estes sistemas são imitações de tecidos ou órgãos do corpo. No entanto, segundo Ingber, tais recursos precisam de adaptação ao propósito da pesquisa, porque não são genéricos. Ele esclarece, que não existe um modelo único que substitua todos os modelos animais. Isso porque são necessários modelos diferentes até para um mesmo órgão. Por exemplo, no caso do pulmão, seria necessário um modelo distinto para asma, outro para fibrose ou edema pulmonar, e assim por diante.

De acordo com Ingber, os órgãos em chips são úteis mesmo quando o objetivo é relacionar a saúde animal, humana e o meio ambiente. Ele explica que é possível criar órgãos de animais em chips, como, por exemplo, um intestino de morcego em um chip. Desta forma, pode-se estudar infecções zoonóticas, como COVID-19, e ainda engenharia genética.

Novas técnicas oferecem possibilidades que não são factíveis em animais

Ingber esclarece que mesmo quando o objetivo da pesquisa é estudar um fenômeno no contexto de um ser vivo complexo, os animais podem muitas vezes não ser o melhor recurso. Para defender essa afirmação, ele relata um estudo conduzido em um chip de pulmão. “Por exemplo, descobrimos que os movimentos respiratórios influenciam a taxa de crescimento e invasão do câncer de pulmão em um chip de pulmão humano”. Ele argumenta que, nesse caso, seria impossível usar um modelo animal, porque, para isso, seria necessário manter um animal vivo por três semanas sem respirar.

O cientista acrescenta também que, usando os órgãos em chips, pode-se visualizar e analisar o mesmo local repetidamente ao longo do tempo. Segundo ele, isso não é possível em animais.

“Vejo os órgãos sobre chips como seções transversais vivas em 3D das principais unidades funcionais de órgãos humanos ou animais, que podemos analisar ao longo do tempo. Podemos até mesmo cultivar o microbioma vivo em contato com células humanas vivas usando órgãos em chips. A descoberta da importância do microbioma é uma das maiores mudanças de paradigma da medicina nos últimos 15 anos, e não é possível estudar o microbioma humano em animais, porque eles possuem um microbioma diferente”.

Donald Ingber

O microbioma a que Ingber se refere é uma coleção de microorganismos, de várias espécies, que vivem juntos e interagem uns com os outros em um ambiente. O microbioma humano é uma área emergente que está se revelando estratégica para a chamada “medicina personalizada”, uma vez que oferece possibilidades para uma de problemas de saúde e ambientais. Um artigo publicado no ano passado na revista Microbiome apresenta uma análise profunda desse conceito.

O artigo da revista Nature Review Materials esclarece ainda que os modelos animais comumente usados ​​para estudar doenças e tratamentos humanos são frequentemente limitados em sua capacidade de imitar as condições humanas, sobretudo, nos níveis mais complexos, como o molecular e celular. “Na verdade, muitos medicamentos passam primeiro por modelos animais antes de chegarem aos testes clínicos, e a grande maioria desses medicamentos falham na clínica”, declara Ingber.

Além disso, o acesso a essas técnicas que substituem animais não é tão difícil quanto parece. Ingber, que é biólogo e bioengenheiro, afirma que hoje em dia não é preciso saber engenharia para usar órgãos em chips. “Existem até fornecedores comerciais”, diz ele.

Pesquisadores tendem a evitar sair da zona de conforto

Se é assim, por que o uso de animais ainda é tão difundido? Inger esclarece que o motivo da resistência ao uso dessas tecnologias se dá porque é necessária uma adaptação a esses novos sistemas. “Basicamente, precisamos mudar a maneira como fazemos as coisas”, diz. Ele explica que os animais são utilizados para estudar doenças e tratamentos porque eles estão disponíveis e porque os usamos no passado e sabemos como trabalhar com eles. “As pessoas tendem a fazer o que foram treinadas para fazer e usam métodos com os quais se sentem confortáveis. É preciso energia para aprender sobre novas tecnologias, suas nuances e limitações”, diz ele.

Por fim, Ingber anuncia que existe uma proposta de abertura de um novo instituto no Instituto Nacional de Saúde (National Institutes of Health – NIH) com foco nessas técnicas, o que pode, segundo ele, ajudar a aumentar o número de pessoas familiarizadas com elas. “Isso deve ajudar a atingir uma massa crítica de pesquisadores usando essa tecnologia”, diz. “Envolver mais pesquisadores pode ajudar a levar a tecnologia ao topo, de modo que as pessoas comecem a olhar além dos modelos animais”.

O artigo completo, redigido por Christine Horejs, editora da Nature Reviews Materials está disponível para leitura em https://www.nature.com/articles/s41578-021-00313-z


Referências bibliográficas:

  • Horejs C. Organ chips, organoids and the animal testing conundrum. Nat Rev Mater 2021;6:372-373.
  • Berg et al. Microbiome definition re-visited: old concepts and new challenges. Microbiome 2020;8:103.

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