Estudo italiano publicado nesta semana explora relação entre pais veganos e pediatras. O estudo foi conduzido por pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa europeus especializados em pediatria. Envolveu a Universidade e o Hospital Universitário de Pisa, Sociedade Científica para Nutrição Vegetariana de Veneza e ainda o Instituto Pediátrico do Sul da Suíça. Segundo a pesquisa, mais de um terço dos pais participantes não revelaram aos pediatras que seus filhos seguem uma dieta vegana. Os resultados foram publicados na revista científica Nutrients.
Pais veganos tendem a ser mais jovens e mais escolarizados
A pesquisa, cujos participantes eram pais e seus filhos, envolveu 176 famílias italianas recrutadas pelo Facebook. Todos os pais participantes da pesquisa eram veganos e cerca de 72% das crianças seguiam uma alimentação vegana desde o desmame. A maioria das crianças (43%) possuía entre dois e seis anos de idade. Boa parte (41%) tinha entre seis meses e dois anos de idade. Quanto às demais, 7% possuíam entre seis e dez anos e 8,5%, mais de dez anos.
A maioria dos pais participantes tinha entre 30 e 39 anos e alto nível de escolaridade – 63,6% tinham, no mínimo, diploma universitário. Os autores ressaltaram que conforme mostram outros estudos, os pais veganos tendem a ser mais jovens e mais escolarizados. “A decisão de seguir uma dieta vegana pode, de fato, ser influenciada pelo nível de escolaridade dos pais, o que pode ajudar na escolha da dieta vegana por possíveis vantagens ambientais e de saúde”. Segundo a publicação, “os pais mostraram-se conhecedores das principais recomendações dietéticas e demonstraram grande consciência da importância de contar com profissionais da nutrição para garantir uma alimentação adequada para seus filhos”.
Receio compromete relação entre pais veganos e pediatras
Por outro lado, muitos pais veganos têm receio de dizer aos pediatras que seus filhos seguem uma dieta vegana. Na pesquisa, 36% dos pais não fizeram essa revelação aos pediatras e os pesquisadores quiseram saber os motivos. Cerca de um terço dos pais alegou não considerar essencial revelar essa informação ao pediatra. Os outros dois terços relataram o receio de serem julgados e o conhecimento prévio sobre a oposição do pediatra a esse tipo de dieta. Os autores salientaram que esse comportamento é comum. Em pesquisa recente, com 360 famílias italianas, 22,7% dos pais revelaram ter adotado hábitos alimentares alternativos (tais como semivegetariano, ovolactovegetariano ou vegano) sem informar o pediatra.
Segundo os autores, muitos pais sentiram necessidade de mudar de pediatra justamente por um conflito quanto à dieta. Um terço dos pais interpretou a abordagem do pediatra como “oposicionista, crítica, cética e dissuasiva”.
Para os autores, “esse tipo de abordagem compromete a aliança médico-paciente e pode levar os pais a adotarem padrões alimentares alternativos sem supervisão médica”. Eles alertam que essa falta de supervisão pode expor os filhos a um risco maior de deficiências nutricionais graves. Advertem que há certos sinais clínicos que podem ser facilmente confundidos com outras condições, incluindo doenças metabólicas. Esses sinais são, por exemplo, hipotonia – um tipo de falta de força muscular –, fadiga, deficiências neurológicas, perda de peso etc.).
Quando sinais como esses ocorrem, se o médico desconhece o fato de que a criança segue uma dieta diferente da mais comum, pode ser mais difícil associar os sinais e sintomas à possibilidade de uma deficiência nutricional. “Assim, a falta de informação sobre a dieta pode tornar o diagnóstico diferencial mais complexo, retardando o reconhecimento das deficiências nutricionais”, alertam os autores. Essa investigação deve ser feita, mesmo que seja para excluir a suspeita de que o problema observado é de origem nutricional. Na verdade, essa análise deveria ser sempre levada em conta em primeiro lugar, em todos os casos. Afinal, sabe-se que problemas de origem nutricional ocorrem também em dietas onívoras. A falta de atenção profissional a esse aspecto acaba gerando diagnósticos incorretos e a tratamentos potencialmente ineficazes.
A percepção dos pais veganos quantos aos nutrólogos e nutricionistas é mais positiva
Segundo a publicação, os pais veganos procuraram também a assistência de outros profissionais. Mais de 70% deles consultaram um nutrólogo – médico especializado em nutrição – e 28%, um nutricionista. “Na opinião dos participantes, esses profissionais de saúde forneceram informações excelentes em 86% dos casos, suficientes em 13% dos casos e insuficientes em 1% dos casos”, revelou o artigo. Como esses profissionais são especializados em nutrição, é de se esperar que seja mais comum encontrar entre eles aqueles informados sobre a segurança da alimentação vegana na infância.
Em contraste, como destacaram os autores, a graduação e a residência em medicina não oferecem uma educação nutricional completa. “Consequentemente, muitos pediatras podem não se sentir confiantes em lidar com práticas alternativas de alimentação. Com efeito, de acordo com os nossos dados, cerca de metade dos pais que procuraram a ajuda do pediatra para planejar a alimentação dos filhos, referiu que o médico não deu orientações suficientes”.
A capacitação melhorará a relação entre pais veganos e pediatras
Por fim, os autores acrescentaram que a capacitação dos médicos quanto à alimentação vegana deve melhorar com o tempo. “Nos últimos anos, a consciência dos benefícios das dietas à base de plantas aumentou entre a comunidade de médicos e um número crescente de cursos e palestras sobre regimes dietéticos alternativos tem se estabelecido. Podemos especular que as futuras gerações de pediatras estarão mais confiantes no planejamento de dietas à base de plantas para seus pacientes jovens”.
De fato, aqui no Brasil, já existem também cursos voltados para atualização e treinamento de profissionais acerca da alimentação vegana. Um deles é o curso de Pós-Graduação em Nutrição Vegetariana com extensão em Gastronomia Vegana. Trata-se de um curso oficial da Sociedade Vegetariana Brasileira, reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) e atualmente oferecido online. Cursos como esse devem auxiliar médicos e outros profissionais a lidar com uma população vegana crescente. Afinal, conforme apontam inúmeros estudos científicos, a alimentação baseada em vegetais será a dieta dominante.
Referências bibliográficas:
- Bivi D et al. Raising Children on a Vegan Diet: Parents’ Opinion on Problems in Everyday Life. Nutrients 2021;13(6):1796. Disponível em https://doi.org/10.3390/nu13061796