A indústria de produtos animais é causa de extremo sofrimento e matança animal, doenças e mortes humanas e dano ambiental. Esta problemática é discutida por Nicolas Treich, pesquisador da Universidade Toulouse Capitole, situada em Toulouse, na França, em artigo publicado na última edição da revista científica holandesa “Environmental & Resource Economics”. Treich, que é economista, afirma em seu site que atualmente atua na economia do bem-estar animal, “veganomics”, que, numa tradução para o português, podemos chamar de “veganeconomia” ou “veganconomia”. Em um mundo capitalista, este termo, que é novo, pode representar a virada do jogo.
Animais da fazenda
Em seu artigo, Treich aborda os problemas morais decorrentes do tratamento dos animais de fazenda. Segundo ele, estima-se que mais de 70 bilhões desses animais são criados e mortos para alimentação todos os anos. Ele declara que geralmente estes animais são abatidos muito jovens. Os frangos, por exemplo, após cerca de seis a oito semanas, e os porcos com cerca de seis meses.
Treich revela que na União Europeia, “uma das regiões mais avançadas do mundo em termos de padrões de bem-estar animal, muitas práticas dolorosas permanecem difundidas na indústria”. Como exemplos, ele refere a castração sem anestesia, descorna (eliminação dos chifres), corte de cauda, corte de dentes, corte de bico, abate sem atordoamento (sem qualquer forma de anestesia) e separação precoce da mãe.
Ele conta ainda que, “nos países desenvolvidos, a grande maioria dos animais é criada em gaiolas ou em ambientes confinados sem acesso ao exterior”. “Este é o caso de cerca de 99% dos animais de fazenda nos Estados Unidos, onde porcos, por exemplo, são confinados por semanas em pequenas caixas, proibindo movimentos básicos, incluindo caminhar e virar”. O pesquisador acrescenta que a isso devemos somar o sofrimento devido ao alto grau de confinamento em vida e durante o transporte para o abate. “Além disso, os animais provavelmente sofrem emocionalmente de angústia, ansiedade ou tédio”, diz. “Paralelamente, as ciências animais reconhecem cada vez mais as habilidades emocionais e cognitivas dos animais, incluindo as dos animais de fazenda”, ele destaca.
Indústria da produtos animais – o antro de doenças
O pesquisar explica também que o consumo de alimentos de origem animal levanta uma série de questões de saúde. Ele alerta que o consumo excessivo de carne vermelha e processada, e de outros produtos de origem animal, tem sido associado a vários problemas de saúde, tais como doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade e câncer.
De fato, como afirma Treich, a grande maioria das doenças infecciosas se origina em animais. Ele usa como exemplo a gripe suína e aviária, que ocorre repetidamente nesse tipo de indústria. Ele conta que uma série de patógenos de origem alimentar, como, por exemplo, Salmonella, Campylobacter e Escherichia coli, provém de alimentos de origem animal. De acordo com o pesquisador, a contaminação fecal também é generalizada em matadouros. Além disso, ele lembra o caso da pandemia de COVID-19. Alerta que a alimentação animal está na origem da maioria das doenças infecciosas emergentes. Isso se dá diretamente, por meio da transmissão zoonótica de animais selvagens e domésticos, e indiretamente por meio da expansão e intensificação da indústria de produtos animais.
Treich adverte ainda que a produção de alimentos é, além de tudo, uma incubadora para resistência antimicrobiana. Isso significa que muitos microorganismos causadores de doenças nos humanos e demais animais estão ficando resistentes aos antibióticos em função da produção de alimentos animais. Isso coloca em risco todos os habitantes do planeta. Ele informa que cerca de 70-80% dos antibióticos em todo o mundo são usados para animais de fazenda.
Criação de animais e saúde ambiental
Todavia, o estrago causado pela pecuária vai além. Treich acrescenta que a produção de carne contaminação a água, o solo e o ar. Segundo ele, estudos mostram que, nos Estados Unidos, por exemplo, o principal setor poluidor do ar é a agricultura, devido principalmente à criação de animais. Ele cita um estudo publicado em 2018 que, segundo ele, é talvez o mais abrangente até o momento sobre os impactos ambientais das escolhas alimentares. A pesquisa envolveu 38.600 fazendas e centenas de operadores de alimentos. Os resultados mostraram que os produtos de origem animal na forma de carne, ovos, laticínios e também a aquicultura (produção de animais aquáticos) usam cerca de 83% das terras agrícolas do mundo e contribuem com cerca de 57% das diferentes emissões de gases de efeito estufa originadas de alimentos.
O mais incompreensível é que nada disto é segredo. A humanidade tem conhecimento, ainda que raso, de toda esta tragédia. Ela fica escancarada e é largamente denunciada de várias maneiras. Mas a grande maioria não dá importância, ignora. O lobby da indústria dos produtos animais é bem feito. E também, como o próprio Treich mencionou em seu artigo “a maioria das pessoas é fortemente apegada à carne” e aos produtos animais de maneira geral. A dissonância cognitiva, já brevemente abordada por aqui, ajuda a manter essa conduta. Mas essa discussão é densa, e continua aqui no site, na matéria de amanhã.
O artigo que apresenta esta e outras discussões que envolvem este tema está disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s10640-021-00551-3
Referências bibliográficas
- Nicolas Treich. Cultured Meat: Promises and Challenges. Environmental and Resource Economics 2021;79:33-61.