O chamado bem-estar animal, sobretudo na pecuária, é assunto em alta na ciência. Centenas de artigos sobre o tema foram publicados no último ano. É evidente a preocupação com essa questão. E de onde vem tamanho interesse? Ocorre que os consumidores estão começando a se preocupar mais com a forma com que são tratados os animais que vão virar carne no prato. Sendo assim, se a indústria da carne não melhorar o bem-estar animal e, claro, não utilizar essa bandeira para fins publicitários, o consumo de carne pode cair, o que afetaria financeiramente essa indústria.
Os horrores da produção de carne já foram brevemente abordados em outra matéria aqui no site, que mencionou o caso dos porcos da fazenda, confinados por semanas em pequenas caixas, onde sequer podem se virar. Você é capaz de se imaginar confinado por semanas em um espaço tão pequeno no qual sequer consegue se virar?
De acordo com a Associação Americana de Medicina Veterinária, o bem-estar animal se refere a como um animal está lidando com as condições em que vive. Com base em dados científicos, ele deve estar saudável, confortável, bem nutrido, seguro, capaz de expressar um comportamento inato, sem dor, medo e angústia. E esse conceito envolve também o abate, que deve ser “humanitário”.
Um dos artigos recentes que abordou esse tema acaba de ser publicado na revista científica americana PLoS One. Conforme afirmam os autores, “os cientistas do bem-estar animal identificaram muitas mudanças no manejo, nutrição e genética dos animais que podem melhorar o bem-estar do gado, mas essas intervenções raramente são adotadas na prática comercial”. Segundo eles, “as medidas para promover o bem-estar animal podem ser mais caras do que os retornos obtidos”. Eles reforçam que “as consequências econômicas das intervenções de bem-estar animal são um determinante primário da disposição dos produtores para mudar sua prática atual”.
Por outro lado, o esforço dos produtores de carne pode ser recompensado com uma maior aceitação por parte dos consumidores. Os autores explicam que “os custos adicionais de certas melhorias no bem-estar animal podem ser repassados aos consumidores por meio da rotulagem do produto”. Para ilustrar essa situação, eles citaram como exemplo o caso da certificação fornecida pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), associação britânica que defende a prevenção da crueldade com animais. Segundo os autores, a associação garantiu, por exemplo, que porcos se beneficiassem de aumento de espaço e também de liberdade de movimento durante o parto. Em razão da certificação, os consumidores pagam, por esses produtos, um preço mais alto.
Tais produtos são identificados por um rótulo com o termo “Freedom Food”, que significa comida livre. Segundo a própria RSPCA, essa certificação é o único esquema de garantia do Reino Unido que se concentra exclusivamente na melhoria do bem-estar dos animais de fazenda criados para alimentação. É um tipo de barganha promovida pela associação, como incentivo para que os produtores invistam em melhoria do bem-estar dos animais – ou melhor, na visão dos produtores, do bem estar da carne.
A situação seria animadora, não fosse o fato de que esses animais são, na realidade, forçados a nascer para tortura seguida de morte violenta. Nascem e abrem os olhos para a vida – que deveria servir para viver – e para o mundo. O mundo é belo e é deles, assim como é – ou deveria ser – de qualquer criatura que nele nasce.
Referências bibliográficas:
- Peden RSE et al. An estimation of the financial consequences of reducing pig aggression. PLoS One 2021;16(5):e0250556. Disponível em https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0250556
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