Ciências sociais

Artigo científico discute a resistência ao veganismo

As objeções precipitadas comuns ao veganismo podem ser consideradas manifestações de falsa consciência. Esse é o ponto principal defendido por Susana Pickett, pesquisadora da Universidade de Leicester, Reino Unido, em artigo científico em que discute a resistência ao veganismo. O artigo foi recém-publicado na revista canadense “Journal of agricultural & environmental ethics“.

Para explicar sua tese, Pickett usa alguns exemplos. Um deles é a crença comum (em alguns países) de que o peru deve ser o centro da mesa do jantar de Natal, como manda a tradição. “Como isso se manifesta como uma forma de falsa consciência?”, ela indaga em seu texto. “Uma das distorções gira em torno da falsa crença de que a tradição por si só é justificativa suficiente para se engajar em uma prática específica”, ela explica.

Tradição x moral

Para contrapor tradição e moral, Pickett argumenta que situações como os casamentos forçados são consideradas moralmente erradas. Isso que mostra que a tradição por si só não justifica moralmente uma prática. Casos como esse, portanto, evidenciam que a maioria dos indivíduos que vivem em sociedades liberais aceita que a tradição por si só não justifica moralmente uma prática.

Logo, Pickett afirma que o confinamento em massa, a engorda e o abate de centenas de milhões de perus com idade entre 14 e 24 semanas para o Natal envolve, na verdade, o uso ilegítimo do poder dos humanos sobre os animais. Além disso, para ela, “essas tradições continuam, não apenas porque as pessoas gostam de certos sabores e tradições familiares, mas também porque um poderoso lobby da indústria tem interesse em perpetuar e normalizar essa forma de exploração animal”.

Comercial da BBC em dezembro de 2019, no qual um peru anunciava: “menos de nós foram devorados este ano.

Como exemplo, Pickett usa o caso da União Nacional de Fazendeiros (National Farmers Union – NFU), do Reino Unido, ocorrido em dezembro de 2019. Ela conta que, na ocasião, a NFU questionou um comercial da BBC. Este apresentava um personagem representado por um peru de desenho animado, vestindo um suéter com os dizeres “I Love Vegans” (“Eu amo veganos”). No comercial, o personagem anunciava: “menos de nós foram devorados este ano”. Segundo Pickett, o questionamento da NFU se deu porque a organização temia que a BBC estivesse promovendo uma visão política. “O que não foi questionado, entretanto, foi que a criação e a matança de animais podem não ser um ponto de vista politicamente neutro”, argumentou Pickett.

O veganismo como um modo de vida moral

Para a pesquisadora, a motivação para pensar sobre as coisas com seriedade moral falha nesse contexto. Por exemplo, falha quando concluímos que temos direito de comer ou matar um animal simplesmente porque é tradicional ou natural. Falha quando concluímos que temos esse direito porque o animal foi criado em uma fazenda local ou sob padrões de bem-estar mais elevados do que em outras fazendas. E esses argumentos se enquadram em outra citação de Pickett. Ela cita a teoria dos 4Ns – a crença de que comer carne é natural, normal, necessário e agradável (nice em inglês). Essa teoria representa as desculpas comuns contra o veganismo.

Pickett cita também “o paradoxo dos comedores de carne”. Este se refere ao amor social cultivado por certos animais como cães e gatos, enquanto vacas, porcos e outros animais, que são igualmente sensíveis, são maltratados e massacrados”. Segundo o texto, tal paradoxo estaria arraigado em nossas instituições e é um hábito que se perpetua. “Embora a razão original para comer carne fosse a sobrevivência, ela não é mais essencial para grande parte da população mundial, então é, de certa forma, um hábito irracional e exacerbado pelo consumismo”, argumenta.

Por fim, Pickett defende que o veganismo é um modo de vida moral e também um requisito moral. Acrescenta que alguns defensores dos animais podem sentir total desespero e ter dificuldades para entender por qual motivo os outros não são movidos da mesma forma. Para ela, como as justificativas comuns contra o veganismo são tão fracas, sua incoerência pode fazer com que tais defensores se sintam impotentes.

O artigo completo de Pickett está disponível para leitura em https://link.springer.com/article/10.1007/s10806-021-09857-0

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Referências bibliográficas:

  • Pickett, S. Veganism, Moral Motivation and False Consciousness. J Agric Environ Ethics 2021;34(15).

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